Pós destinação
As luzes da sirene da ambulância eram tudo o que eu conseguia ouvir, enquanto algum desconhecido tentava, em vão, tirar o meu corpo caído do asfalto molhado pelas chuvas torrenciais de março que alagavam as estreitas ruas da cidade. Adormeci em meio a confusão de buzinas e atendentes de primeiro socorros correndo em minha direção.
— Até que enfim você chegou.
Entreabri os olhos com cautela, sem saber onde eu estava. Não havia ninguém além de mim. Esperei a voz se manifestar novamente.
— Fiz com que a sua morte fosse menos trágica do que havia me pedido. Acertei na escolha?
Olhei para os dois lados com dificuldade, não consegui enxergar nada, nem descobrir de onde viera a voz masculina que me parecia estranhamente familiar.
— Quem é você?!
— Você estava falando comigo há alguns minutos atrás antes de pegar no volante e causar um tremendo alvoroço na avenida.
— Eu estava em casa antes disso. Eu estava em casa sozinho.
— Você estava comigo.
— Eu estou morto? não consigo ver nada.
— E nem verá nada mais.
— Quem é você? Você é Deus?
— Eu estava com você na hora do acidente.
— Então me responda. Você é Deus?
— Não.
— Então como você estava comigo quando sofri o acidente? Não compreendo.
— Eu estava lá com você quando disse que não aguentava mais viver e pegou a estrada embriagado. Eu estava lá, o tempo todo, não lembra?
— Você não estava lá. Não estava. Eu estava só.
— Fale o seu nome.
— Por que quer que eu diga o meu nome?
— Porque este é quem eu sou.